Entrevista com Robert Cailliau, co-criador da Web

Sobre o começo da rede mundial, a liberdade dos softwares e as transparências para se preservar as liberdades individuais

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Recebi por e-mail uma entrevista feita com Robert Cailliau, co-criador da web (juntamente com Tim Berners-Lee). Sinceramente não sei quem fez a entrevista, sua data nem onde foi publicada; se alguém souber e quiser me contar para eu colocar aquii, ficarei muito agradecido!

Nesta entrevista Robert Cailliau, um dos criadores da web, fala do começo da rede mundial, sobre a liberdade dos softwares, as transparências para se preservar as liberdades individuais e a fome capitalista das grandes empresas de telecomunicações e softwares.

Entrevista com Robert Cailliau

A História ainda deve reservar ao belga Robert Cailliau e a seu companheiro de pesquisas, o inglês Tim Berners-Lee, um espaço no rol dos grandes inventores da humanidade. Há 17 anos, ambos desenvolveram uma ferramenta de comunicação, de início destinada só à pesquisa, cuja sigla fala por si: World Wide Web (www), a rede mundial de computadores. Mas, ao contrário do que se pode imaginar, Cailliau, engenheiro, 60 anos, não é um homem rico, não preside uma grande multinacional da informática, nem é um entusiasta da tecnologia.

Caillau é quase um cético, alguém que revela decepções sobre sua cria. Avesso à fama, o engenheiro hoje está radicado no norte da França, em uma região rural. Não tem nome na lista telefônica, não tem telefone celular e, ironia, nem mesmo atualiza seu site. Nesta entrevista, o pesquisador revela amargor ao falar sobre o uso excessivamente comercial da rede mundial. Seus elogios são guardados para os blogs e para a Wikipedia, construções coletivas de informação. Entre os alvos de suas críticas também estão a Microsoft, o MySpace e o Second Life, empresas ou produtos que chama de “opacos” e que lhe provocam temor, seja por
concentrarem em excesso informações da vida privada de seus usuários, seja por desviarem o foco da realidade. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O senhor declarou recentemente estar decepcionado quanto à evolução da web. Por quê?

Há muitos aspectos sobre os quais eu estou contente: a Wikipedia, os blogs, os círculos de pessoas que têm coisas raras a compartilhar. Na verdade não há muito além de alguns aspectos sobre os quais eu estou decepcionado: a velocidade da compreensão de que a rede mundial é uma construção coletiva. Empresários, políticos e freqüentemente jornalistas não compreendem isso. Nós poderíamos avançar mais rápido se tivéssemos colaborado mais em vez de promover a competição em um tema no qual a competição é muitas vezes nefasta.

Olhando retrospectivamente, como o senhor avalia sua invenção?

A web é resultado de anos de trabalho e da coragem de muitas pessoas, todos egressos de universidades e institutos de pesquisa. Os empresários freqüentemente a entenderam mal, tomaram decisões erradas. Tomemos como exemplo a bolha das empresas “.com”. A lição que tiro é que há fosso entre o comportamento racional e humanista e o comportamento inspirado pelo desejo de fazer muito dinheiro sem trabalhar muito. Mas, por outro lado, a web é uma ferramenta que não se deixa manipular demais: a democracia parece estar imbricada na rede mundial. É isto que, aliás, irrita os espertos que querem se apropriar dela e também os ditadores e os chefes de regimes opressivos.

O senhor tinha a consciência, quando da invenção, da revolução aberta pela rede mundial?

Para a comunidade acadêmica, sim. Para a comunidade em geral, não. Eu me surpreendo a cada dia com as utilidades engenhosas de toda ordem que as pessoas fazem da web.

Na sua opinião, a rede mundial causou uma revolução social?

Muitos sociólogos e economistas acreditam que ela concretiza a global village anunciada por Marshall McLuhan. Há uma forte evolução, mas não conseguimos realizar sempre todas as idéias que temos no início de nossos projetos. No que concerne à global village, seria preciso perguntar ao próprio McLuhan o que ele pensaria hoje. Mas ele já está morto. De toda forma, é verdade que graças à rede mundial as organizações mundiais formadas por poucas pessoas puderam se constituir, se agrupar como se estivessem na mesma cidade.

O senhor já declarou ter subestimado o impacto comercial da web. Por quê?

Não era uma de nossas prioridades. Nós queríamos fornecer uma ferramenta útil e de qualidade aos pesquisadores. Foi a web que arrebatou a atenção do comércio e das empresas de telecomunicação sobre a internet, que naquela época, em 1993, já tinha 25 anos. Foi surpreendente ver como elas quiseram se apossar quando houve a menor suspeita de que talvez fosse possível fazer dinheiro fácil.

O senhor vislumbrou a nova economia em 1990?

Eu não sei nem mesmo o que “nova economia” quer dizer. Quando eu penso que os agricultores ao redor da minha cidade mal conseguem ganhar suas vidas e que nós, consumidores de alimentos, insistimos em pagar preços ridículos, acredito que haja outras coisas a discutir que a autoproclamada “nova economia”. Não há nada de verdadeiro nessa “nova economia”. O que é verdade são as alterações no clima, a superpopulação do planeta, o extremismo ideológico-religioso. Há uma enormidade de megabytes que voam para todo lado, mas que não são comunicação. Tudo não passa de uma fuga da comunicação real. É perigoso. Por essa razão eu não tenho telefone celular e eu não freqüento sites de comunidades virtuais.

Então o senhor não considera durável esse modelo de desenvolvimento, com empresas de alto valor nas bolsas e com poucos funcionários.

Na era digital, não há lugar para uma só empresa em cada setor. Está nas equações diferenciais, e há muito tempo isso está provado por economistas e matemáticos. Para mim, esse tipo de negócio, que mexe com
informação, deveria ser muito transparente. Quem produz softwares deveria mantê-los abertos e publicamente verificáveis.

A rede mundial fomentou a pirataria na internet. O que o senhor pensa disso? A web é, afinal, uma boa ou uma má criação para a economia?

A idéia da propriedade intelectual sempre me incomodou um pouco. De um lado, é certo que alguém que trabalha duro para criar um produto artístico como um romance, um filme ou uma música deve, claro, poder se alimentar e viver. Logo, ele precisa de rendimentos provenientes dessa criação. Mas essa é a razão pela qual eu luto em favor da possibilidade dos micropagamentos, que permitiriam uma remuneração direta do artista pelo consumidor. Só que isso eliminaria os intermediários, que não gostam dessa ferramenta. O problema é que, quanto mais o preço de um produto é alto, mais temos um efeito duplamente perverso: pouca gente compra e muita gente pirateia. O capitalismo, como o comunismo e outros ismos, são da era anterior à digital. Nós deveríamos entrar em um período de colaboração. É preciso aplicar todos os conhecimentos que a ciência já nos deu. Ele já está aí, é preciso dominá-lo antes que seja tarde demais. E
isso não se fará com propostas dogmáticas de esquerda nem de direita.

A web pode ser uma ferramenta formidável nesse objetivo de preservar a vida sobre o planeta.

Em lugar disso, o senhor não acha que recebe excesso de propaganda, propostas de crimes virtuais e pornografia na sua caixa postal?

Pois é… Mas nada disso é importante diante do que devemos fazer.

Como conter esses problemas? O senhor defende algum tipo de regulamentação para a rede mundial?

Sim, mas por parte da comunidade mundial. É preciso que façamos uma convenção mundial sobre o tema. Existem divergências demais entre grandes blocos econômicos, políticos, religiosos, doutrinas ultrapassadas, logo estamos diante de um mau começo. De toda forma, eu não tenho medo dos Estados, que podem ajudar criando normas e preservando a privacidade das pessoas e a transparência das empresas. Eu tenho medo é das multinacionais opacas e avarentas. Observe o que tem feito o MySpace com os milhares de usuários que aparecem em seus registros (Caillau se refere à concentração de informação individual e à invasão de privacidade). Com que direito? Leia os “Termos de serviço” dessas empresas. Leia o -que diz o contrato do Hotmail. O Estado, antes de mais nada, somos nós. É nessas empresas que não há democracia.

Jovens fazem fortuna ao criarem sites como Google, YouTube, Facebook e outros derivados da invenção da rede mundial. O que o senhor pensa disso?

Bom para eles. E eles têm trabalhado duro para vencer. É um outro trabalho, feito com outros talentos. Eu lhes desejo boa sorte. Desde que suas ações sejam transparentes.

Qual é, no seu ponto de vista, o futuro da web e da internet?

É impossível prever. Pessoalmente, eu acredito que o futuro pertence mais a uma inteligência artificial do que à humana. Nesse meio tempo, nós faremos tudo e nada ao mesmo tempo. Mas não esqueçamos que, até outra ordem, será preciso comer enquanto estamos diante de nossas telas.

Logo, precisamos de alguma maneira preservar o planeta.

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